Home Alone With a Whiskey Bottle

04:47

O badalo do relógio oscila e canta a meia-noite; um copo cai ao chão, mas não se parte. Há roupa espalhada pelo chão, mas não está desarrumada, está perdida. A lareira está apagada; não há pratos nem talheres na mesa. Apenas um corpo preenche o espaço vazio e branco do interior de um mero apartamento. O canto da sala está vazio. A mesa só tem duas cadeiras, mas uma nunca é ocupada. Na cozinha, não há pratos sujos, nem máquina de lavar, porque os jantares são pacotes de comida rápida – há apenas um microondas. Não há musica, não há luzes acesas, não há risos. A televisão está ligada num canal de filmes; e o filme, esse, é a preto e branco, antigo, e passa perante os olhos fechados. O comando da televisão está caído, inutilizado, no chão. O corpo, esse corpo único no espaço, está deitado num sofá. E ao pé da sua mão adormecida, está ela, a garrafa escura de whiskey.
Jamais alguém adivinharia que este cenário se passa no dia vinte e cinco de Dezembro. O único corpo que preenche o ar triste da casa não conhece a diferença entre esse dia e qualquer outro do ano. Ali, não existe o cheiro da comida no dia vinte e quatro à noite, do cheiro a cozido e a vinho. No canto da sala, tão pouco existe uma árvore de Natal. E pudesse ela pintar um quadro, ou montar uma árvore que o mostrasse, mostraria que no seu coração apenas existe o vazio. Ao invés, lá está a garrafa de Whiskey.
Embora pareça adormecida, ninguém sabe ao certo, nem ela própria, porque quano se mexe para uma melhor situação mais confortável, julga ouvir um som atrás da porta, talvez dos cantores de canções de natal, ou talvez de um pai natal que não exista – talvez num fato de homem em vez das roupas vermelhas e brancas – mas reencontra-se no impuro silêncio da sua triste situação. E então não sabe se estava a sonhar ou se era a realidade. A única realidade, no entanto, que encontra, à solidão daquela garrafa de vidro, quadrada, presa à sua mão. A realidade é que ela bebe um trago e volta a adormecer.
Quando acordar, não haverá luz baça da manhã branca, limpa de neve, porque os estores tão fechados. Não haverão vozes a correr-lhes pelos ouvidos com clareza, porque está sozinha. Não haverá cheiro a comida, porque nunca a cozinhou. Não haverão pratos sujos na cozinha, porque estão limpos e fechados no armário. O canto da sala continuará vazio. O silêncio permanecerá instaurado. Nem tão pouco será manhã, porque aquela dor de cabeça fá-la-á agitar-se languidamente em plena tarde escura. O que lá estará, isso sim, será aquela garrafa escura poisada religiosamente na sua mão caída, e embora tudo permaneça na mesma triste situação, ela beberá mais um trago na esperança de que tudo aquilo lhe lave a consciência e traga algo de novo. Mas a verdade é que não traz.

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